O que você cala importa mais que mil palavras
Já são 10 dias "de molho", em recuperação por aqui, e mal consigo me recordar da última vez que fiquei assim. A gangorra descanso e produtividade é um exercício constante para mim que vivo me policiando há tempos para não entrar no modo fazer sem parar. Mesmo assim, é incrível como a ideia de parar ainda me deixa desconfortável. A gente se acostuma demais com o modo ativo que o repouso chega até a incomodar. Mas quando o corpo pára não temos escapatória.
No entanto, em meio a essa pausa forçada, o silêncio surge. Quase que como um inimigo da produtividade, ele chega aos sussurros, encontra espaço, se aconchega, e aos poucos eu me rendo. Sem as distrações do dia a dia e a pressão das demandas urgentes, ele ganha espaço e traz com ele a "voz” da sabedoria que pouco sabemos, ou conseguimos, ouvir no dia a dia.
Fazemos parte de um mundo cheio de informação, opiniões, de "seja isso”, "faça aquilo", "deveria ser assim". Falamos muito, consumimos mais ainda... Mas será que estamos nos ouvindo?
Esses dias "silenciosos" têm sido para mim um lembrete poderoso da importância de olhar para o que não dizemos, o que tentamos abafar ou simplesmente ignorar, mas que mesmo assim pulsa dentro de nós. É nesse espaço interno, muitas vezes negligenciado pela tirania da urgência, que encontramos as respostas que tanto buscamos para a nossa jornada.
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Quantas vezes, imersos no barulho do mundo falamos muito e sentimos pouco? Quantas vezes embriagados pelas vozes das nossas próprias mentes “tagarelas” cuspimos palavras sem pensar? Quantas vezes projetamos uma imagem para o mundo, enquanto dentro calamos nossos verdadeiros desejos, nossos medos mais profundos, nossos sonhos mais autênticos?
Dizemos que queremos mudar, que buscamos um trabalho com mais propósito, que desejamos uma vida diferente... mas, no fundo, será que não continuamos presos aos mesmos padrões, às mesmas insatisfações? Estamos falando da boca para fora ou sentindo do coração para dentro?
Me vem à mente a tão sábia frase do nosso poeta Mario Quintana:
"O que muda a gente não é o que a gente fala, mas o que a gente cala."
Por menos ruído e mais verdade
Vivemos numa era que celebra o falar, o mostrar, o postar, o compartilhar. Uma era de narrativas cuidadosamente construídas nas redes sociais, de opiniões assertivas em reuniões, de promessas grandiosas feitas a nós mesmos.
A gente fala muito: sobre nossos planos, nossos sucessos, nossas metas e viagens perfeitas... Você já se viu alguma vez na situação de estar "falando” sobre uma persona que, muitas vezes, parece mais interessante, mais realizada, mais resolvida do que realmente se sente por dentro?
Quantos desejos gritamos aos quatro ventos e quantas ações realmente se transformaram em realidade?
Quantas vezes dizemos "está tudo ótimo", quando, na verdade, estamos lutando contra uma grande angústia?
Falar é fácil. É cômodo. Não exige tanta vulnerabilidade quanto viver de acordo com o que se acredita. Falar não nos confronta com nossos medos, com nossas limitações, com a bagunça que, às vezes, existe dentro de nós.
Onde mora a nossa verdade?
Enquanto o "falar" acontece na superfície, o "calar" reside nas profundezas. É nesse espaço interno, muitas vezes evitado, que moram as nossas verdades mais cruas:
nossos desejos mais autênticos - aquilo que a gente realmente quer, mas tem medo de admitir (até para nós mesmos);
nossos medos mais profundos - aquilo que nos paralisa, que nos impede de arriscar, que nos mantém presos em situações insatisfatórias;
nossas intuições - aquela "vozinha" interna que sussurra "não é por aí", "tente de outra forma", mas que a gente teima em abafar com o barulho do dia a dia;
nossas dores não processadas - aquelas feridas antigas que continuam influenciando nossas escolhas no presente;
nossa sabedoria inata - aquilo que, no fundo, nós já sabemos que é o certo para nós, mas que temos dificuldade em acessar ou aceitar.
Aquilo que "calamos" não é ausência de palavras, é presença de sentimento, de intuição, de essência.
É a nossa verdade tentando se comunicar conosco, esperando o silêncio necessário para ser ouvida.
E quando essa distância entre o que falamos e o que calamos fica grande demais? A gente se desconecta. A gente vive uma vida para "ser vista, postada, compartilhada”, mas sente um vazio por dentro. A frustração bate à porta, a sensação de "estar no lugar errado" cresce a cada dia. E como é perigosa essa desconexão…
É preciso coragem nos dias de hoje para mergulhar no nosso silêncio e encontrar as respostas que realmente importam. É preciso sabedoria para valorizar e ouvir o que "calamos".
O saber ouvir para agir
Mas seria somente saber ouvir? Ou também agir? Aqui entra uma distinção fundamental: a diferença entre agir por impulso e agir com consciência.
Quantas vezes, na ânsia de "resolver logo" uma situação incômoda, tomamos decisões precipitadas?
Aceitamos a primeira proposta de emprego que aparece, por medo de ficar desempregado.
Nos matriculamos em um curso da moda, sem avaliar se ele realmente se conecta com nossos interesses.
Pedimos demissão em um rompante de raiva, sem ter um plano B estruturado.
Começamos um negócio próprio baseados apenas na empolgação inicial.
Ações impulsivas geralmente nascem do medo, da ansiedade e da pressão externa. Sabe aquele sentimento de cobrança de "preciso fazer alguma coisa"?
Ações assim, embora possam trazer um alívio momentâneo, raramente geram mudanças sustentáveis. Muitas vezes, elas nos levam de volta ao mesmo ciclo de insatisfação, só que com uma roupagem diferente.
Do outro lado, temos a ação consciente; aquela que nasce da escuta interna, da clareza que cultivamos no silêncio.
A ação impulsiva é uma reação ao barulho externo (ou interno, da ansiedade). A ação consciente é uma resposta ao nosso silêncio interior.
Agir com consciência é agir com: intencionalidade, discernimento, consistência e coragem.
Por que isso é crucial na sua transição?
Escolhas feitas no impulso podem te levar a mais um ciclo de frustração, a mais uma tentativa frustrada de mudança. Escolhas feitas com consciência, baseadas na sua escuta interna, te colocam no caminho da realização, da construção de um trabalho e uma vida que realmente faça sentido para você.
Afinal, como escolher nosso caminho se não estamos em contato com nossos verdadeiros desejos? Como construir um futuro autêntico se estamos mais preocupados com a aprovação alheia do que com a nossa própria realização? Como encontrar um trabalho com propósito se não estamos ouvindo nossa própria bússola interna?
Que sempre haja espaço transformador para a voz que calamos e o silêncio que precisamos ouvir para encontrar nossa verdade.
Até a próxima semana!