Estamos vivendo o paradoxo do trabalho
Desconstruindo o valor do cargo e crachá para encontrar o seu
Muitos de nós viemos construindo nossas carreiras com um mapa que parecia claro: faculdade, um bom emprego, promoções, estabilidade...? Mas, em algum momento, aquele “pote de ouro” ao final do caminho foi ficando cada vez mais distante ou até perdendo o sentido.
Alguns, como eu, até tentaram mudar de caminho. Traçar um novo percurso com uma especialização diferente, uma nova indústria, um outro emprego. Mas depois de um tempo nos vimos no mesmo ciclo, com as mesmas insatisfações – só mudaram de nome e endereço.
Nos disseram que o trabalho era onde poderíamos encontrar nosso grande valor. E saímos em busca disso. Só nos esqueceram de avisar que ele não deveria se tornar o único valor, pois isso deu origem à perigosa conexão que nossa sociedade construiu entre o que fazemos e quem somos.
E é por isso que nos abalamos tanto quando começamos a nos deparar com a ideia de que uma máquina pode fazer todo o nosso trabalho. Então, onde está o nosso valor? Mas essas perguntas não são de agora…
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Um pouco da evolução do trabalho na nossa história
Cada grande transformação na sociedade nos força a revisitar essas questões e a encontrar novas respostas. Para entender isso, acho que vale a pena voltarmos um pouco no tempo para compreender como o significado do trabalho foi mudando ao longo da nossa história.
De uma forma bem resumida:
O trabalho era uma extensão direta e imediata da necessidade de sobrevivência e proteção do grupo na Pré-História.
Na Antiguidade Clássica, ele passa a ser visto como punição e fardo, mas ao mesmo tempo é o que dava a possibilidade de produzir (comida, roupas, cidades etc).
Chegamos à era Pré-Industrial com o trabalho sendo questão de autodisciplina e servidão ou um ofício, e começando a retratar o pertencimento de um determinado clã.
Tudo muda com a Reforma Protestante no século 16, que ressignificou o trabalho como uma vocação divina, e seu sucesso material virou sinal de benção.
Essa mentalidade pavimentou o caminho para a Revolução Industrial, quando o trabalho se tornou uma mercadoria trocada por um salário. Aqui ele começa a se desvincular da atividade em si e abre espaço para o dilema: como encontrar significado em trabalhos nos quais apenas repetimos tarefas?
Migramos para as cidades e a profissão se tornou nosso principal identificador social. Nosso emprego define não só nosso lugar no mundo e círculo social, mas a nossa capacidade de participar da sociedade de consumo. A pergunta "O que você faz?" virou um atalho para definir quem somos.
O crachá como um símbolo de valor
Estava instaurada a perigosa ideia de que nosso valor está atrelado ao nosso cargo. O crachá tornou-se uma representação externa de quem somos.
A carreira profissional se torna o projeto de vida, o sucesso vira uma escada corporativa, e o cargo em uma grande empresa se tornou um símbolo de status e segurança. Ao mesmo tempo em que uma promoção nos levanta nessa escada, uma demissão nos invalida.
Essa mentalidade só dificulta uma transição, pois qualquer coisa que represente um risco de perder esse crachá significa perder a nós mesmos, nossa identidade.
"É muito difícil não nos sentirmos ansiosos em um mundo onde a resposta para a pergunta 'quem é você?' é quase sempre o seu cargo." Alain de Botton
Mas o consumo não trouxe realização, a produtividade não representou liberdade, e começamos a ver esse significado ruir. Estamos vivendo hoje o paradoxo do trabalho: buscamos sentido onde nos ensinaram a buscar status.
Queremos nos definir por algo além do trabalho, mas ainda vemos o trabalho como o que nos dá sentido à vida. Se não estamos trabalhando, não estamos vivendo. E não tem como viver trabalhando em algo que não realiza.
Seria agora a oportunidade de desatar esse nó?
É por isso que a chegada da Inteligência Artificial, ao colocar em xeque a possibilidade de continuarmos fazendo o que fazemos, é vista como uma ameaça não só ao nosso trabalho, mas se torna uma questão existencial para muitos de nós.
No entanto, ela também pode ser vista como uma oportunidade de nos reconectarmos com o que somos por completo. Essa talvez seja a porta para começarmos a enxergar o trabalho como algo muito além de cargo ou performance.
"Libertar sua identidade do seu crachá não é se perder; é, finalmente, encontrar-se em todas as suas outras potências."
Esse momento nos convida a encontrar outras formas de expressar quem somos por meio da riqueza que carregamos conosco ao longo de nossa trajetória – talentos, paixões, conquistas, aprendizados, etc.
Nos força a revisitar nossas definições e a se perguntar: se o trabalho não é sobrevivência, nem um fardo, não é dever, nem apenas uma mercadoria, o que ele será?
✍🏼 Um exercício prático para começar a desenhar seus novos cenários
Imagine-se daqui a 5 anos, em 3 cenários hipotéticos:
Cenário da Abundância: Se todas as suas necessidades financeiras estivessem resolvidas, como você preencheria seus dias?
Cenário do Impacto: Se você recebesse a missão de resolver um problema no mundo que te incomoda profundamente, qual seria?
Cenário da Reinvenção: Se sua área de atuação fosse completamente transformada pela tecnologia, quais habilidades você gostaria de continuar exercendo e quais novas se interessaria em explorar?
Esse exercício de visualização é uma ferramenta valiosa para nos ajudar a enxergar além e criar novas possibilidades.
Até a próxima semana!
Se você sente que precisa de estrutura e um acompanhamento mais próximo para desatar esse nó, o Programa de Transição pode te auxiliar a revisitar sua história e construir esse seu mosaico da vida para encontrar sua bússola interna que te moverá para seu próximo capítulo.