Capítulo 9 - O simples que completa
Se o processo, por um lado, era de exploração de novas oportunidades, por outro eu precisava limpar muita coisa para liberar espaço e receber esse novo. Essa limpeza começou aqui dentro para eu poder ter mais clareza do que queria e do que precisava colocar em foco no momento, mas o mundo lá fora também é um reflexo do nosso mundo interno e vice-versa.
Tudo à minha volta precisava ser limpo. Onde e como morava, o que comia, como me transportava, o que consumia, com quem interagia, o que fazia etc. Enfim, pode parecer bobeira, mas acabamos populando a nossa vida e o nosso entorno com tanta coisa apenas para nossa distração. É como criar uma válvula de escape de nós mesmos.
Quanta distração eu tinha à minha volta?
Tinha tanta coisa lá fora para me preocupar que eu me via sem tempo para cuidar do que realmente precisava em mim mesma. Quanto mais se tem, mais se quer, e quanto mais se quer, menos valor damos ao que já temos de fato. Esse era o círculo vicioso que esteve presente até então em minha vida.
A mudança que eu buscava não podia simplesmente continuar alimentando essa necessidade de mais. Eu via a oportunidade de encontrar algo novo no essencial. Foi com esse intuito que descobri o real significado da palavra gratidão. É muito fácil sermos gratos quando tudo está bem aos nossos olhos e temos praticamente tudo o que desejamos ao nosso redor, mas você já tentou exercitar o contrário?
Sentir gratidão pela situação na qual me encontrava, sem ter maiores expectativas, foi como subir um degrau na minha escada de aprendizados. Afinal, mudança alguma vem sem custo nenhum. Eu saí de uma zona de conforto para um lugar vulnerável. Estava em um processo de adaptação.
Eu, que tinha uma casa permanente, fui ser nômade, alugando quartos temporariamente. E, ao invés de hospedar, era hospedada.
Eu, que tinha um guarda-roupas completo, passei a me vestir com o que cabia em uma mala. E, ao invés de comprar o novo, reciclava o velho.
Eu, que tinha um cargo permanente, passei a trabalhar provisoriamente.
E, ao invés de viver para trabalhar, trabalhava para viver.
Lembra quando contei do lance de largar o apartamento no qual morava em São Paulo? Aquele, talvez, tenha sido o primeiro passo nessa direção: eu me desfiz de tudo que tinha, resumindo meus pertences a uma única mala que carregava comigo para cima e para baixo. Naquele momento, senti um peso ser tirado de minhas costas ao me libertar de tudo.
Era exatamente o que eu experienciava de novo, mas de uma forma ainda mais profunda. Pequenos hábitos que no fundo me libertavam de pertences e do pertencer. Aos poucos, eu me via limpando a necessidade do status de trabalhar na empresa tal, ter o cargo tal, morar no bairro tal, dirigir o carro tal, frequentar a academia tal, visitar os tais bares e restaurantes... Enfim, era tudo o que não pertencia mais a mim.
Durante muito tempo, busquei o ter como forma de adquirir comodidade e conforto. Custei a perceber que, infelizmente, aquilo tudo vinha com uma carga de exigências extras. Ao passo que me distanciava de sobrenome, endereço, família, amigos, carro e pertences, era como se me despisse de uma carcaça de falsa proteção para me deparar com a minha pessoa em uma realidade nua e crua, sem nada nem ninguém.
Ao cessar o exagero e experimentar viver com o básico, pude realmente entender que não precisava de muito daquilo que um dia acreditei que era essencial para ter uma vida feliz. Felicidade nenhuma mora no que se adquire e que um dia expira. Satisfação não se encontra no que tem data de validade. Aos poucos me libertando do ter, fui enxergando a tal da real felicidade nas coisas mais simples, aquelas as quais não há moeda de troca capaz de pagar tal valor.
Limpei não só o material, mas o irreal que também populava minha mente. Passei a colocar em prática em minha vida o famoso ditado “menos é mais”. Parei de correr atrás do mais para perseguir o menos. Passei a viver do simples, pelo simples e com o simples. Troquei o extra pelo básico, o complexo pelo elementar. Aos poucos, fui aprendendo a ser grata pelo que já tinha aqui dentro e encerrar aquela busca incessante por mais lá fora.
Seguindo esse estilo de vida, fui chegando mais perto de mim mesma. É o que chamo de minimalismo 2 pessoal: ser capaz de se conectar novamente com o simples de ser quem se é. Quando encontrei completude com o menos e o simples, acabei me encontrando ainda mais em minha essência e fui gradualmente substituindo o ter pelo ser em minha vida.