Capítulo 6 - O resgate da essência
Estava instaurada a crise, um momento um pouco parecido com o que acontece conosco aos 21 anos, quando saimos do papel que assumimos até então como “filho de fulano”, “irmão de sicrano” e “neto de beltrano”. Mas dessa vez, ao invés de questionarmos quem somos, o ponto central se volta para: o que realmente quero ser? É uma busca por uma realização pessoal.
Eu havia passado tempo demais em minha vida assumindo papéis de analista de Comunicação, especialista de Inovação, gerente de Marketing etc. Tudo o que mais queria era sair daquelas caixas. Mas aí, quando nos vemos fora delas, o mais natural é desesperadamente sairmos à procura de uma outra base de referência. A armadilha está pronta, pois queremos solucionar novos dilemas com o mesmo mindset. Comigo não foi diferente... Saí em busca de um novo rótulo.
Se não seria mais aquela profissional, como passaria a me apresentar dali em diante? Rótulo disponível foi o que não faltou, mesmo para denominar um processo pelo qual ainda estava passando. A pergunta que mais ouvi nesse período foi: “Você está em transição de carreira?”. Ou simplesmente a conclusão já vinha sem eu abrir a boca: “Ah, você também está em sabático”.
Isso mostra o quanto temos dificuldade em lidar com o não saber. Mesmo quando estamos em busca de respostas, precisamos de uma definição para conseguir nos encaixar nos parâmetros ou corremos o risco de sermos vistos como “aquele ali que não sabe o que quer da vida”. Eu queria apenas aquela barrinha mostrando o status “em progresso” para carregar comigo, porque às vezes uma imagem fala mais que mil palavras.
Nessa ansiedade em que nos colocamos, acabamos por não aceitar o não saber. Muitos, nesse momento, pegam o caminho do pular etapas. A mente nos leva para um lugar no qual recusamos a sensação da dúvida, e, no meio dessa confusão, torna-se mais difícil ainda encontrar confiança em nós mesmos.
Aí, pegamos o atalho mais fácil da cobrança, pois não aceitamos perguntas sem respostas. Eu me vi por dias e dias em um mesmo ciclo: abria meu computador, olhava meu currículo, acessava o LinkedIn, buscava vagas e me comparava com os demais profissionais conectados. Sentia que estava perdendo uma parte de mim.
Minutos depois, ia para o jardim da casa na qual estava, deitava na espreguiçadeira em pleno meio do dia, olhava à minha volta, observava a natureza, sentia o sol batendo em meu rosto e um suspiro profundo vinha, seguido de um alívio por me sentir viva. Essa foi a forma que encontrei de espantar aqueles pensamentos negros de minha mente, pautados pelo medo de não saber o que estava por vir. Era só eles começarem a aparecer e eu já sabia que era o momento de respirar e encontrar aquela sensação de vitalidade em mim.
Aos poucos, fui encontrando formas de conter a ansiedade, criando espaço para voltar para dentro de mim mesma e me ouvir. Precisava buscar a essência de quem eu realmente sou, resgatando meus valores, minhas motivações, o que me faz ser quem eu sou e o que é realmente importante para mim.
Algumas coisas ficaram claras desde o início: esse não seria um processo fácil, muito menos curto. Eu precisava afastar minha inquietude e a ansiedade de que “tudo é para ontem”, ter paciência e tempo para poder me permitir explorar novas possibilidades. Em meio a esse turbilhão, eu necessitava de ancoramento. Algo que me trouxesse uma sensação de estabilidade mesmo diante do instável, para ao menos conseguir sossegar e respirar.
Dediquei-me, então, a duas novas práticas que de imediato se tornaram parte dos meus rituais diários: meditação e yoga. Foi com essa dupla que consegui encontrar calma e tranquilidade, mesmo nos momentos mais eufóricos. Aprendi a respirar e vivenciar o momento presente. Não mais preocupada com tantos pensamentos a serem processados, passei a cultivar o sentir mais do que o pensar.
Ver o nascer do sol e estirar aquele tapete no chão me fazia tirar o peso que carregava nos ombros e me sentir leve. Cada vez que sentava ali, eu o fazia com uma diferente intenção, mas um único desejo: o de me render ao menos por segundos somente ao momento presente e poder respirar fundo em minhas emoções. A cada dia, havia um novo ritmo em minha respiração, mas um movimento era constante: as batidas de meu coração vibrando pelo meu corpo inteiro.
Encontrava meu ponto fixo e me sentia mais equilibrada. Tocava o chão de forma intensa e me movimentava com mais inteireza. Sentia energizada cada célula de meu corpo. A cada movimento, eu me deparava com minha sombra e minha luz, minha calma e minha raiva, meu amor e meu ódio, e aos poucos fui aprendendo como lidar com tal dualidade.
O barulho lá fora não me interrompia. O outro lá fora não me incomodava mais. Eu passei a ouvir meu próprio som, sentir minha própria temperatura, estabelecer meu próprio ritmo, vibrar minha própria sintonia. Sentada ali, o mundo ao meu redor podia girar e, mesmo assim, ali estava eu a respirar calmamente. Fechando os olhos, eu me encontrava na presença. E assim, aos poucos, ia ao encontro de mim mesma.
Dessa forma, descobri uma outra face da espiritualidade, bem distante do que tinham me ensinado até então sobre religiosidade. De forma muito respeitosa, eu me desapeguei de dogmas e crenças que por algum tempo me ajudaram a entender determinados mistérios e navegar pela vida.
Eu estava me tornando uma outra pessoa e parte desse processo de tomada de uma consciência maior se faz pelo questionamento de determinados ensinamentos colecionados até então, não pela simples aceitação. Fui ao encontro do superior que existia em mim para estabelecer essa conexão com as respostas que carregava como parte intrínseca do meu ser.
Sabe aquela sensação de que você já sabe por onde ir?
Sim, porque todas as respostas estão conosco. Apesar de carregar essa sabedoria, acabamos perdendo ao longo do tempo a habilidade de simplesmente nos ouvir, pois para isso precisamos aquietar e sentir o que vem do nosso próprio interior. É por isso que costumo dizer que intuição e coragem caminham lado a lado. Quando confiamos na nossa intuição, colocamos nossos sentimentos acima de tudo e agimos com o coração.
"espantar aqueles pensamentos negros"
substitui esse termo Keka
Adorando tudo!! Amei o "em progresso"!!
Minha sugestão é alterar pensamentos negros no parágrafo 6 por pensamentos negativos. 😬