Capítulo 2 - A busca da liberdade
Aos 35 anos, eu levava uma vida que muitos de nós consideramos “de sucesso”. Morar em uma grande cidade, trabalhar em uma empresa multinacional, ter um cargo de liderança, ter uma agenda cheia de compromissos e frequentar os mais badalados bares e restaurantes. Sabemos que o custo dessa vida é alto, por isso um bom emprego é indispensável para poder conseguir pagar os chamados “luxos” de viver na capital.
Eu vivi nesse ciclo por um bom tempo, de forma confortável, pagando esse alto preço. Até o momento em que o custo se tornou muito maior do que um simples depósito em um extrato bancário. Mesmo trabalhando com o que amava – inovação e empreendedorismo –, essa vida começou a custar a minha liberdade.
Isso não era tão novo para mim. Dois anos antes, eu já havia encarado esse sentimento e fui em busca de tentar alcançar essa liberdade de alguma forma. A resposta, naquele momento, foi criar meu próprio negócio. A liberdade viria para mim por meio de uma flexibilidade na minha rotina e de independência financeira, fatores que me ajudariam a ter um estilo de vida um pouco mais tranquilo.
Claro que não foi assim no começo, pois estava em uma rotina dupla, trabalhando em uma multinacional e tocando um pequeno negócio no interior de São Paulo. Não conseguia mais diferenciar dia de semana e fim de semana. Não sabia mais o que era intervalo de almoço e horas de sono. Foram noites sem dormir, dias sem comer, fins de semana sem descansar e curtir. Passei mais tempo na estrada que ligava Piracicaba a São Paulo do que em minha própria casa, mas a excitação era tanta que tudo valia a pena.
No entanto, muita coisa não saiu como planejado. O inesperado se provou mais do que possível e mostrou que plano de negócios algum é capaz de cobrir o imprevisível. Após quase dois anos nessa rotina frenética e enfrentando batalhas diferentes a cada dia nessa jornada de empreender, a situação começou a ficar insustentável. Pela primeira vez, eu me peguei tomando medicamentos para conseguir fechar os olhos e dormir sem se preocupar com o que viria no dia seguinte. Experienciei na pele a difícil jornada de um pequeno empreendedor brasileiro que busca forças e se apega ao seu sonho para ultrapassar todas as barreiras que encontra no caminho.
O ponto é que tudo tem um limite, inclusive nós. Minha saúde mental já havia sucumbido há muito tempo e o que desabava era meu corpo físico. Quando não conseguimos enxergar que precisamos parar, o nosso corpo o faz por nós. E eu sabia muito bem o que era isso.
A minha primeira parada havia ocorrido ainda bem cedo no início de minha carreira: em meio ao expediente no escritório, fui para a UTI com a coluna travada, sem poder me mexer de tanta dor. Uma protusão em um dos discos da coluna vertebral me paralisou na cama por uma semana e me deixou em fisioterapia por mais alguns meses.
Em vários momentos da minha vida, eu me via como uma máquina, preparada para aguentar tudo. Eu até me orgulhava dessa capacidade.
Por que será que subestimamos nosso potencial de sermos humanos?
Somos dotados de capacidades que nem nós mesmos podemos imaginar; porém, o que nos move é algo bem diferente de sistemas e mecanismos, mas sim um coração que pulsa. Quando recebemos um alerta como esse, não é somente o nosso corpo, mas também a nossa alma dizendo que algo não está bem.
Alimentar o corpo até que é fácil, já a alma não é tão simples assim. Mais difícil do que decidir começar o meu próprio negócio foi tomar a dolorosa decisão de descontinuá-lo. Era desesperador ver o projeto pelo qual batalhei tanto escorrer pelas minhas mãos e desabar como um castelo de areia levado pela onda do mar. Foi com a mesma intensidade da excitação do início do negócio que senti a dor do colapso ao final. Nem sei ao certo o que doía mais: a perda, a vergonha do fracasso ou o medo do julgamento.
Não conseguia pensar em nada, falar ou ouvir ninguém. Tive de silenciar, olhar para o espelho e encontrar forças para continuar. Não podia imaginar que a luz que precisava naquele momento esteve sempre tão perto de mim. Ver meu pai se reerguer, não uma, mas duas vezes em sua vida, trouxe-me inspiração e fôlego para entender que a perda também faz parte do caminho. Aceitá-la, com certeza, foi um desafio grande, mas, entre tantos aprendizados que ganhei nessa experiência de ser aprendiz de empreendedora, o maior deles foi perceber que busquei o motivo errado para começar aquele negócio e me apeguei a ele como a única resposta para o que almejava naquele momento.
Fui em busca de uma tal de liberdade, mas eu a havia ganhado? Com certeza, não.
"Alimentar o corpo até que é fácil, já a alma não é tão simples assim"
Amei isso
"fui para a UTI com a coluna travada, sem poder me mexer de tanta dor"
Keka, tenta explicar um pouco mais sobre isso... você foi pra UTI mesmo ou uma especie de CTI, que é um setor de menor complexidade. Pessoal da área da saude pode estranhar uma internação na UTI para coluna. Qual outro sintoma você teve para ficar nesse leito complexo? UTI são casos que precisam de monitoramento respiratorio, cardiaco, neural central...