Capítulo 14 - O abraçar do caminhar
Ser a neta mais velha de ambos os lados da família, a primeira mulher e a primeira filha me fez quebrar as barreiras e puxar a fila. Estar na linha de frente também significa carregar nos ombros o peso da responsabilidade. Tirar a nota mais alta, não ficar de recuperação, ter os melhores amigos, conseguir um trabalho bom, ser o exemplo – para não dizer ser perfeita.
Não sei até que ponto a exigência vinha dos outros e em qual momento eu mesma é que passei a exigir demais de mim mesma. No entanto, jogar o problema no colo do outro não me ajudaria a resolvê-lo. Esse comportamento pode até ter sido influenciado um dia por outras pessoas, mas quem se deixou ser dominada por ele fui eu. Portanto, era minha a responsabilidade em desaparecer com ele também.
Eu nunca vi como algo negativo querer buscar a perfeição. Muitas vezes, isso serve como aquele impulso de que precisamos quando sabemos que podemos dar um pouquinho mais de nós. Faz-nos desafiar nós mesmos, fortalecer e alimentar ainda mais a crença de que somos capazes. O que precisamos é estar atentos a quando essa busca causa exatamente o contrário: a inação. Estátua perfeita não se movimenta!
O fato de não estar perfeito me paralisa?
Se sim, a busca pela perfeição não está contribuindo. O receio de as coisas não saírem exatamente da forma que eu imaginava era uma trava que não me ajudava a sair do lugar. No fundo, aquela perfeição só existia na minha imaginação. A vida perfeita, o corpo perfeito, a profissão perfeita, a namorada perfeita, a família perfeita, o lar perfeito... Enfim. Por algum tempo, isso tudo ficava apenas nas ideias ou no máximo ia para o papel, mas raramente para a realidade.
É tamanha a necessidade de perfeição que tudo acaba se tornando chato. O perfeito nos leva para uma prisão na qual nos tornamos reféns das nossas próprias expectativas. Enquanto elas estiverem lá no topo, dificilmente estaremos satisfeitos com o que é real, pois nada daquilo de fato é realidade. Estamos acostumados a ouvir que “o perfeito é inimigo do bom”. Eu gosto de dizer que ele é “inimigo do bem”: do nosso bem-estar, bem-querer e bem amar.
É comum vermos pessoas apaixonadas pelas ideias, e eu confesso que volta e meia estou entre essas pessoas. Afinal, tenho certa facilidade em trafegar pelo mundo da idealização, dos cenários, das suposições e criações; mas, quando experimentamos o agir e sentimos o êxtase de tornar as coisas realidade é que compreendemos que ser real é muito mais interessante do que ideal.
Se você está começando a achar que isso significa que não temos direito a sonhar, não é bem por aí. Eu diria exatamente o contrário: temos de sonhar, sim, sonhar alto e longe! Esse é o primeiro passo para de fato concretizar tudo que almejamos. Agora, quando precisamos trazer esses sonhos para a realidade, aí, sim, a atenção à rigidez das nossas expectativas precisa entrar em ação.
Se soubermos lidar com essas expectativas e caminhar menos em busca de ser perfeito e mais em busca de ter feito, o passo com certeza fica mais leve. Foi nesse momento que precisei aprender a ser mais complacente comigo mesma. Era a oportunidade que tinha para me permitir arriscar, sabendo que poderia acertar ou talvez errar feio, mas pelo menos caminhar.
Se você foi aquela criança que ouviu seus pais elogiando os amiguinhos porque eles estavam sempre arrumadinhos e limpinhos, relaxa, porque uniforme limpo é sinal de quem não desceu para o parquinho. Agora, se você era a criança do uniforme limpinho, já está mais do que na hora de descer para o playground. Não tem como crescer sem se sujar e “meter as caras”. Isso faz parte de qualquer processo de aprendizagem, ou corremos o risco de ficar em um mundo imaginário onde tudo é perfeito, mas nada de fato torna-se realidade.
O estado de inação não nos alimenta. Já viu água parada gerar algo bom? Movimentar é o que nos faz evoluir como humanos. Ao passo que caminhamos, percebemos que, por mais que as situações não aconteçam exatamente do jeito que estávamos esperando, ainda assim temos muito mais a ganhar ao nos mover do que ao ficar esperando que um dia as coisas cheguem até nós.
Como dizem: quando começamos a caminhar, o caminho de fato aparece, certo? Ao nos acostumarmos com o caminhar e o fluxo contínuo de aprendizado gerado por ele, nós nos tornamos mais tolerantes ao erro e menos exigentes conosco mesmos. Nós entendemos que, por mais que criemos o cenário ideal, ele dificilmente será igual à realidade.
E está tudo bem, pois sempre haverá ajustes a serem feitos. Porque, por mais que tenhamos a capacidade de imaginar sem limites, essa visão ainda é finita. Ela, de certa forma, está limitada ao que sabemos, experimentamos, vivemos e temos como referência em nossas vidas.
Quer coisa mais bacana do que ser surpreendido pelo caminho?