Capítulo 10 - A bússola interna
Costumo comparar a fase de descoberta e exploração de hipóteses ao processo de um artista que olha uma tela em branco e enxerga uma aquarela de possibilidades, ou até mesmo a um escritor que vislumbra as mais incríveis histórias ao se deparar com uma nova página em branco.
No início do processo, é sobre imaginar, diversificar, experimentar e explorar. Ao passo que vamos destravando todas essas portas, também precisamos ter em mente que não é possível continuar com todas elas abertas por um longo período de tempo. É nessa etapa que alguns se perdem ou, como eu, demoram um tempo para sair dela. Afinal, como boa geminiana que sou, reconheço que fazer escolhas sempre foi um pouco complexo para mim.
Se você também foi a um psicólogo fazer teste vocacional quando adolescente, sabe exatamente do que estou falando. Eu me lembro de não saber ao certo se queria estudar Medicina, Administração, Moda, Turismo ou Comunicação. Era aquela sensação de estar perdida no meio da floresta, com tantos caminhos possíveis a serem seguidos. A única diferença, talvez, é que, já adulta, eu sabia um pouco mais do que se tratava cada uma das opções disponíveis, ao contrário daquele leque de cursos que, quando jovem, tinha à minha frente e sequer fazia ideia do que representavam.
Sempre adorei o fato de existir uma infinidade de possibilidades que nem mesmo a minha mente criativa pode imaginar. No entanto, demorei para aprender que podemos ter o que quisermos, mas não necessariamente tudo o que quisermos, pois esse tudo em algum momento acaba se tornando nada.
Quando adentramos um processo de divergência sem fim, espalhamos tanto nossa energia entre opções a fazer e pensar que mal conseguimos colocar foco em algo. Tão importante quanto a abertura para experimentar e tentar coisas novas é também o processo de convergir, selecionar e tomar decisões de forma consciente. O testar ajuda a oxigenar nossos conceitos, ideias e paradigmas; mas, para mover, precisamos optar por onde seguir para colocarmos esforço nisso.
Recordo muito bem da tarde em que sentei no gramado em frente à praia com apenas uma folha de papel-sulfite e lápis colorido à mão. Naquele momento, eu tinha várias opções e resolvi ilustrá-las em um mapa mental – porque parte do meu modo de processar informações passa por ilustrar, rabiscar, desenhar. Eu poderia ficar na Austrália, começar uma nova profissão, assumir um novo trabalho em uma empresa estrangeira, apostar em um novo negócio por aqui, colocar a mochila nas costas e seguir viagem, tocar o negócio da família e voltar ao Brasil. Enfim, oportunidades não faltavam; e o papel aceitava todas elas! Mas, e aí, como escolher por onde seguir?
Primeiro, eu precisava ter certeza de que não estaria repetindo as mesmas escolhas, mesmo que de forma inconsciente, apenas por hábito. Provavelmente, você já passou pela situação de “pular de galho em galho”, ou pelo menos conhece alguém que já esteve nela. Para uma boa parte das pessoas, ela acontece ao trocar de emprego ou relacionamento como se troca de roupa. Em casos como esses, simplesmente trocar não é a resposta para o problema instaurado.
Se já não estamos contentes com a situação na qual nos encontramos – seja um trabalho, um relacionamento ou qualquer outra situação parecida – trocá-la por algo semelhante, mesmo que em outro lugar ou com outras pessoas, é muitas vezes desperdício de tempo e energia. São altíssimas as chances de buscarmos e atrairmos exatamente a mesma situação para nossa vida. Não podemos confundir o trocar com o mudar.
Mudança precisa vir de dentro para depois, sim, reverberar no externo. Fazer novas escolhas era parte desse novo ser que desabrochava em mim. Minhas escolhas precisavam ressoar com o que queria construir para minha vida naquele momento – um trabalho com propósito, um estilo de vida diferente, uma nova dinâmica no dia a dia, novas experiências contínuas e novos relacionamentos.
Ter claros quais eram os meus valores foi essencial para conseguir fazer escolhas conscientes e mais certeiras. Eu me reconectei de novo com a raiz do que vim buscando desde o começo desse processo de mudança.
A liberdade sempre esteve lá como um valor primordial para mim em todas as suas formas: liberdade de expressão, liberdade profissional, liberdade geográfica, liberdade da alma, liberdade para mudar. Esse se tornou o meu norte para qualquer decisão que viesse a tomar a partir dali em minha vida.
Estou seguindo o que é de valor para mim?
Se sim, não há como estar indo por caminhos errados. Isso porque o valor é algo que carregamos conoscoindependentemente de circunstâncias externas e, por isso, tudo que fazemos levando-o em consideração acaba por ser algo perene em nossas vidas.
Não conseguimos sustentar o que não é relevante e verdadeiro, o que não nos atrai, o que não brilha aos nossos olhos e não nos traz aquela sensação de bem-estar. É por isso que, apesar das mil coisas nas quais nos engajamos ao longo dos anos, poucas delas acabam por se tornar parte intrínseca de nossa trajetória.
Essa é a chave para de fato integrarmos qualquer mudança em nossas vidas. Eu costumo dizer que dar o primeiro passo em direção à mudança exige aquele impulso de coragem, mas integrá-la de fato exige um esforço contínuo – e, por favor, não leia aqui esforço como algo sofrido e pesado, mas algo que apenas exige foco e determinação.
Depois que aprendi a fazer uso dos meus valores como uma bússola na minha vida, isso se tornou uma ferramenta que me ajudou de forma muito prática a selecionar as coisas ao meu redor. Porque, às vezes, as escolhas podem parecer bem óbvias para todos, mas é justamente aí que mora o perigo. O óbvio aos olhos dos outros não necessariamente é o mais adequado para nós.
Naquele momento, para muitos ao meu redor, o caminho de volta ao Brasil era o mais óbvio, mas eu não sentia que era o melhor para o que desejava dali em diante. Por mais que eu tentasse evitar a influência do outro, algumas vezes era difícil não me deparar com aquela confusão mental causada quando ouvia opiniões distintas da minha, vindas de pessoas que amo. Ouvi-las tendo clareza dos meus valores com certeza me ajudou a discernir o que ali era importante e fazia sentido para mim.
E não é que essa estratégia acabou me ajudando em dose dupla? Comecei a refletir levando sempre em consideração o quanto meus valores ressoavam em mim. Passei a priorizar o sim para aquilo que estava conectado com eles – o que queria plantar e colher em minha vida. Eu, que sempre vi o não como algo a ser evitado, aprendi que ele pode ser tão poderoso quanto qualquer outro sim. O dizer não, um difícil exercício para mim até então, tornou-se muito mais leve e fácil.