Até onde vai o impacto da tecnologia no que fazemos?
Uma reflexão da ponte a se criar entre o componente tecnológico e o fator humano
No início desse mês, tive a oportunidade de participar de um podcast da comunidade Inovadores & Inquietos para refletir um pouco sobre as informações apresentadas no relatório "Futuro do Trabalho” divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Curiosamente, essa semana que passou mergulhei no documentário "Trabalho" de Obama, disponível na Netflix, e novos pontos de vista emergiram sobre o mesmo assunto me levando a questionar ainda mais sobre o impacto da tecnologia no que fazemos em nosso dia a dia.
Esse relatório e diversos outros estudos e pesquisas divulgados recentemente trazem dados que têm sido considerado assustadores por muitos como:
83 millhões de postos de trabalho serão exterminados enquanto que somente 69 milhões serão criados;
43% das atividades existentes serão automatizadas;
44% das habilidades de um profissional precisarão ser atualizadas.
Os dados já deixaram claro para nós que postos de trabalho desaparecerão e trabalhadores perderão seus emprego, jovens sairão da universidade já desatualizados e sem empregabilidade. O documentário nesse momento foi capaz de trazer caras e dar nomes a esses futuros ou atuais (pois diria que muitos já estão sentindo o primeiro solavanco) trabalhadores impactados.
Ao fazer isso, ele mostra não somente o que viemos ouvindo e estamos vendo por aí - a tecnologia está mudando muita coisa - como também adiciona uma camada de preocupação nesse já complexo cenário: a diferença entre as classes sociais. Se você pudesse responder de forma rápida onde imagina estar concentrada a parcela de postos de trabalhos que serão extintos, qual seria sua aposta?
Agora, considerando que o documentário é um retrato da sociedade americana, me dá frio na espinha só de pensar na situação em países como o Brasil, no qual a desigualdade é infinitamente maior. A classe da população que hoje se concentra em trabalhos denominados “low skill jobs”, que necessitam de muito pouca habilidade e baixo conhecimento, tem ainda menos infraestrutura e acesso a condições consideradas básicas de vida. Aqui faça um convite para que você saia da sua mesa e cadeira do escritório em que está e olhe para a grande massa trabalhadora que existe em nosso País - bem longe da tecnologia - e mesmo em países como a Índia, por exemplo, no qual a tecnologia ainda se faz mais presente mas as operações se estruturaram em trabalhos com habilidades de super baixo valor agregado e fácil reposição.
Como a tecnologia contribuirá para reduzir a diferença entre essas nações ou até mesmo a desigualdade entre as camadas sociais dentro de um próprio País? Quais oportunidades ela trará para as pessoas independentemente de seus cargos e setores, suas condições financeiras e seu acesso à educação? Ou será que a tecnologia só aumentará essa disparidade em um curto prazo de tempo pelo menos?
Em um cenário no qual a maior parte da classe trabalhadora precisará atualizar suas habilidades para manter sua empregabilidade, de onde emergirão essas oportunidades? A responsabilidade é das instituições de ensino, dos governos ou das próprias organizações? A resposta sempre será: a responsabilidade é de todos!
Mas então qual é a minha parcela de responsabilidade aqui? Considerando que o estudo mostra que as empresas apesar de alocarem seus investimentos em aprendizagem e treinamento, o foco ainda estará no desenvolvimento das habilidades funcionais voltadas para o desempenho das atividades dentro da própria organização, a responsabilidade de cada indivíduo fica explícita em um grupo de habilidades que alguns relatórios denominam “autodesenvolvimento” - o próprio nome da categoria já diz tudo.
E quais habilidades são essas? Inclua aqui resiliência, flexibilidade, agilidade, curiosidade, autoaprendizagem, automotivação, autoconsciencia e por aí vai.
Ainda questionando sobre a força de onde essa palavra “auto” pode nos levar? Talvez o próprio documentário expresse isso ao trazer o caso de uma trabalhadora que começou por conta própria cuidando de pessoas de mais idade ao ser tocada pela realidade que experienciou com sua própria mãe. Ela acabou crescendo e estabelecendo seu próprio negócio nesse setor movida pela necessidade latente dessa parcela da população. Um exemplo de como automotivação e o encontrar sentido no que se faz pode nos trazer comprometimento com o que fazemos e nos guiar por caminhos às vezes difíceis de imaginar, mas possíveis de concretizar.
Agora você pode estar se questionando: esse setor também não está entre os menos valorizados? Sim, infelizmente esse é o cenário que vemos hoje em dia. Enquanto postos de trabalho voltados para a tecnologia têm sua remuneração triplicada, os famosos prestadores de serviço (que são os que mais estão a serviço do outro) em muitos casos veem seus salários serem diminuídos. A própria proprietária do documentário confirma isso, mas não se deixa abalar ao dizer que por diversas vezes precisa priorizar o pagamento do salário de seus funcionários versus o seu próprio.
Esse é somente um exemplo para nos mostrar que em uma sociedade na qual a tecnologia inunda diversas economias, por outro lado existem inúmeras outras demandas ainda não ouvidas ou latentes que buscam o contrário: conexão e humanização.
Então, aproveito aqui para voltar ao meu questionamento inicial: até que ponto a tecnologia substituirá o cuidado ou a conexão? Até que ponto essas novas habilidades a serem desenvolvidas precisam estar atreladas à tecnologia? Até que ponto precisaremos buscar mais consciência e foco no desenvolvimento de “autohabilidades” - aquilo que ninguém pode substituir ou ensinar para nós - como por exemplo o significado do trabalho em nossas vidas ou o que motiva a fazer o que faço?
Talvez o próprio CEO do conglomerado indiano Tata Group também entrevistado no documentário tenha endereçado isso ao final do último episódio durante o que pareceu uma conversa sincera com Obama. Ele constata: "Você nunca é melhor do que ninguém”. Mostrando que reside em cada um a sabedoria que precisamos desenvolver para nos trazer clareza, audácia e coragem para não esperar mas sim construir o nosso trabalho.