A magia de navegar sem controlar
Você tem o plano A, B e C e, de repente, a vida vem e te pede o D.
Já no final de semana, eu pensava em como, quando e onde pararia para escrever essa newsletter em meio à agitada agenda por aqui. Será que conseguiria? Fiz o plano A, B e C. Eis que o dia amanheceu chovendo, e apareceu o plano D: a natureza me convidando a sentar em um café de frente para o mar Mediterrâneo para escrever o texto dessa newsletter - inspirada nos recentes acontecimentos por aqui para falar sobre o movimento de controlar e sair do controle, fluir, mudar a rota e viver.
A “real” necessidade de controle
Esse episódio que acabei de descrever para vocês me chamou mais uma vez a atenção do quanto tempo de nossas vidas passamos tentando manter o controle daquilo que nos rodeia. O controle da agenda, o controle do tempo, o controle dos gastos, o controle do que falamos, o que comemos e até quanto nos divertimos. Acabamos não percebendo o quanto isso pode nos estar custando - nossa calma e muitas vezes nossa alma.
É uma dificuldade nata do ser humano sair do controle. Não estamos acostumados a isso e, por isso, nos sentimos desconfortáveis – algum mais outros menos – em qualquer situação que nos coloque em uma posição de refém e mero expectador do que der e vier. Essa aparente sensação de controle nos traz um senso de organização e segurança. Mas será que é isso mesmo? Isso é real?
Para que entendam o quão grande essa nossa necessidade por controle pode ser, vou dividir aqui um evento que me marcou muito recentemente. No velório de meu avô que veio a falecer há alguns meses atrás, minha avó, desolada entre a dor e a insegurança que a despedida de um parceiro de vida (67 anos vivendo juntos) pode trazer, olha para as pessoas e a situação ao seu redor e solta a seguinte frase: “está tudo sob controle”.
Hein?! Qual parte será que ela ainda não entendeu? Controle é a última palavra que alguém usaria para descrever tal momento. Alguns se espantaram, outros riram e há quem sentiu compaixão por ela ao compreender o quanto aquela fala em si carregava um pedido de ajuda. Era a sua necessidade por segurança e calma que falava mais alto. E, ao ver tantas pessoas ali ao seu lado para apoiá-la naquele difícil momento, sua alma talvez tenha se acalmado.
Mas se não temos controle sobre a situação, o que podemos aprender a “controlar” é como nos sentimos diante da mesma. Para trabalhar a nossa sensação de desconforto perante algo que possa nos parecer inseguro e fora de nosso controle precisamos vivenciar situações que nos possibilitem experienciar e sentir algo diferente.
A sensação de se deixar levar
A minha experiência navegando em um barco à vela nessa última semana foi um exemplo claro do quão positivo podem ser os eventos da vida quando deixamos a nossa necessidade de controle de lado.
A nossa primeira curiosidade (ou necessidade de controle) ao embarcar foi querer saber os mínimos detalhes do plano de navegação para os próximos dias. E o “choque” começou ali com a resposta categórica do capitão do barco: “não temos plano”. Abrindo um mapa, ele se pôs a explicar de uma forma genérica a região pela qual navegaríamos. Na manhã seguinte, a mesma pergunta veio em outro formato logo no café da manhã: “então, para onde vamos hoje?”. E a resposta do capitão: “Surpresa”. A troca de olhares novamente entre as pessoas a bordo.
Essa foi a dinâmica dos próximos dois dias até todos entenderem, e se sentirem confortáveis com essa nova situação, que navegaríamos sem necessariamente saber o destino. Afinal, o que mudaria na prática saber ou não saber se não tínhamos nenhum poder de controle sobre?
Mais tarde viemos a entender a razão disso. Entre os diversos fatores, o mais importante: o vento - o componente essencial para o movimento de um barco à vela. E, como vocês podem imaginar, ele pode ser mapeado e previsto, mas não controlado. Por isso, a importância de manter flexibilidade no plano de navegação. “Temos um destino de estar de volta ao porto que partimos em 7 dias, mas como faremos isso vamos descobrir ao longo do caminho”, explicou o capitão.
Apesar do espanto inicial, todos concordaram que esse foi um aspecto que fez da viagem algo ainda mais único e memorável. Conseguimos experienciar o quão positivo pode ser não ter o controle sobre tudo. E não somente pela questão de ser surpreendidos positivamente pelo que os eventos podem nos trazer, mas mais importante do que isso: ser capaz de ajustar, flexibilizar e se adaptar para que cada aventura da vida tenha uma cor e um sabor especial.
Para cada destino, existem mil e uma formas de se chegar lá.
Como isso serve para sua transição?
A começar pela própria história do capitão que menciono acima, Omero Moretti, que mudou sua vida para iniciar um novo capítulo navegando em alto mar (deixo a dica do seu livro no qual ele conta sua história logo abaixo).
Mas, no geral, para as pessoas que têm uma necessidade muito grande de controle, transições são um exercício e tanto. Por quê? Existe um momento intermediário do processo no qual temos uma vaga ideia sobre o destino, mas muitas vezes não sabemos especificamente o caminho.
Mesmo assim, precisamos aprender a se movimentar estando abertos aos novos lugares para os quais o vento da vida nos levará e às novas pessoas com as quais cruzaremos nossos caminhos. Necessitamos de maior abertura e flexibilidade e menos rigidez e controle.
Além do mais, isso nos ajuda a respeitar e aceitar o fato de que mesmo tendo destinos parecidos, cada um com sua própria embarcação encontrará uma forma própria para se chegar lá. E não há certo ou errado; todos os caminhos são válidos!
E você? Já experienciou algo parecido em sua vida? Alguma situação que tenha exigido de você não estar sobre o controle da mesma? Como você se sentiu? Se quiser, compartilha nos comentários 😊.
💥 Pílulas sobre o tema:
Algumas dicas inspiradoras de conteúdo:
📕 O capitão italiano Omero Moretti narra em seu livro ”Il mestiere del mare” como um dia literalmente traçou uma linha em sua antiga história para começar uma nova vida a navegar.
📕 O escritor Mark Manson compartilha em sua obra “A Sutil Arte de Ligar o F*da-se: uma estratégia inusitada para uma vida melhor” como aceitar a incerteza e o imprevisível para uma vida mais significativa.